domingo, 9 de agosto de 2009

Dia 03. Começam as "crônicas de um inverno (interno)"

Foi tenso. Esqueci de lavar as louças do dia anterior, então tive de acordar cedo pra lavar antes da mamí acordar. Chuva intensa. Arrumo os pratos e copos, começo pelos talheres. Frio. Absurdo. Os dedos doem demais. Não desisto, afinal, fui eu quem me ofereci para lavar toda a louça do dia inteiro na hora de dividir as tarefas como mais um membro da família em casa. Eu gosto de lavar a louça, afinal, é só o que sei fazer domesticamente falando. Mas justo no inverno? No meu primeiro inverno ainda? Tudo bem, continuo, com dor e tudo. Passo pros copos, depois os pratos e uma panela. Hora de tirar o sabão de tudo, embaixo da torneira. Tensão total. Lavo tudo com atenção, como de costume, tentando fingir que não sinto dor nenhuma. Mas ela vai penetrando a pele, passando pros ossos, chegando ao pulso. Tento ser mais rápida. Termino. As mãos vermelhas, ardendo, queimando, enquanto os ossos sentem aquela dor aguda de estarem sendo perfurados por furadeiras. Volto correndo pra cama e enrolo as mãos no cachecol de Jah. Durmo de novo quando consigo controlar o frio das mãos.
Acordo. Mamí batendo na porta. Hora de levantar, tomar banho (e começar a tortura do pós-banho), tomar café e se arrumar pra ir visitar uns amigos dela em (pasmem) Belém Novo. Pelo que entendi, é como se fosse uma espécie de distrito de Porto Alegre (perdoem-me a ignorância se eu estiver errada), longe pacas, ainda mais pra sair de casa nesse dia chuvoso. Mas tudo bem, não estamos fazendo nada mesmo... Recomendam-me que vá ¨bem agasalhada¨. Descobri que não sei ainda me vestir para encarar o inverno na rua. Atrapalho-me com a sequência de meia-calça, calça, meia, blusa 1, blusa 2, casaco, bota e nem lembro mais o que. Só sei que, se não tiver luva, o último é o cachecol de Jah (ou a bandeira riograndense, como também pode-se interpretar), sempre, porque não consigo não amarrar os cabelos (e proteger as orelhas, claro) com ele. Mas hei de me acostumar.
Enquanto mamí e seu namô vestem-se adequadamente no quarto e irmã escova repetidamente os dentes no banheiro, vou preparar meu pão. Vejo um homem no telhado ao lado da janela da cozinha. Naturalmente continuo preparando o pão. Lembro que moro no sétimo andar e olho novamente para a janela. O homem me olha e sorri. Medo. Arrepio. Penso em parar de beber, até. Lembro que não bebi nada durante a noite passada. Grito para a irmã, que já está na sala. Ela diz que não é nada. Que ele deve estar consertando alguma antena. No telhado, na chuva, no frio, sábado de manhã, consertando antena? Suspeito... Como o pão e saímos.
A casa no tal Belém Novo é mesmo muito longe. Pegamos uma lotação e, sei lá, 40 minutos (pelo menos) depois chegamos no fim da linha de Ipanema (sim, tem Ipanema em Porto Alegre, e é às margens do Guaíba, o rio). Esperamos na chuva enquanto acompanhamos o resultado da chuva intensa da madrugada. Dizem que foi um minidilúvio. Eu não sei como foi, dormia, mas vi árvores arrancadas e buracos nas ruas, com aquelas poças enormes. Lembrei da minha cidade. Em como a cena era bem parecida, se não fosse aquele vento frio que agora entrava com tanta violência em minhas narinas que as feriram. Mais dor. E aquelas mãos que não esquentavam nunca? Nossa carona chegou. Prosseguimos viagem até a casa dos amigos.
O dia inteiro de comidinhas, tv a cabo, programinhas inúteis, conversas que não entendo, carinho em cachorros, saudade ¨dele¨, vontade de sair correndo e ligar o note, frio e mais frio que não acabava mais. Como dependíamos de carona, porque nenhum de nós sabia sair dali e com aquela chuva, nem pensar em se arriscar, chegamos em casa por volta de meia-noite. Todos cansados. Eu cansada e com crise de reumatismo. Num último esforço, corro para o bar-lancheria ao lado do prédio e pergunto se ainda tem quentão. Acabou. Faço uma cara de desolação. Olho ao redor, procurando algo minimamente alcoólico. Só cerveja, gelada ainda. Desisto. Vamos embora e terminar esse dia.
(Claro que cheguei em casa e, antes mesmo de pensar em trocar a roupa, liguei o note e fui procurar por ele. Mas ele não estava e nem ninguém. Só eu fico em casa num sábado à noite. Mas se estivessem no meu lugar, entenderiam, acredito. Vejo o início de meu inverno interno. Vou deitar, conjecturando sobre o inverno estar se apossando de mim. Penso se terei luz solar o suficiente contra mais um mês de dias cinzas e chuvosos. Sinto meu rosto esquentar, porque minhas bochechas vivem rosadas no rosto que vai empalidecendo. Melhor dormir. Por todo o fim de semana, se conseguir.)

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