domingo, 31 de maio de 2009

Diálogo - I

As mãos tremendo seguravam a lata de Coca-Cola. Bebia um gole generoso enquanto pensava se precisava mesmo dizer aquilo. Vontade de sair correndo, deixar tudo pra trás, esquecer aquela história maluca. Mas o corpo não respondia, largado sobre a cadeira. Não tinha forças para levantar rápido, muito menos sair correndo. Tossiu um pouco.
Ele assistia ao ritual matinal dela pacientemente. Esperava-a beber, observava as mãos trêmulas, o corpo jogado sobre a cadeira, o pé na cadeira da frente. Perguntava-se o porque de ainda estarem esperando algo a ser dito, por que apenas não se despediam e pronto. Mas sabia que ela ainda tinha o que dizer. E que precisava escutá-la.
Ela começou a falar de seus planos pro futuro. Dos filmes que queria assistir, do novo bar que pretendia conhecer, da pizza que queria experimentar. Falava sem parar, emndando um assunto no outro, sem deixá-lo respirar, atordoando seus pensamentos. Parava apenas para beber mais um ligeiro gole e voltava a inventar assuntos sem importância. Tentava ganhar tempo, quem sabe fazê-lo esquecer do real assunto de interesse.
O corpo frágil começava a dar sinais de cansaço. Tossia mais entre as frases eloquentes, respirava com dificuldade e as mão tremiam mais que seu normal. Ele atentava a todos os gestos dela. Surpreendia-se com a sua vulnerabilidade, com sua capacidade de emplcar monólogos exaurindo o próprio corpo, apenas para protelar a tal notícia fatídica. Começou a exasperar-se com todo aquele teatro, com aquela encenação mal feita de vivacidade e despreocupação.
Ele interrompeu-a, fazendo-a despertar do estado de torpor em que suas próprias palavras a deixavam. Ela assustou-se e mirou-o inquisitivamente. Perguntou se era aquilo mesmo que queria, saber tudo de uma vez. Era tudo que ele mais queria, terminar com aquela espera angustiante. Ela jogou a lata de Coca no cesto de lixo ao lado, inclinou o corpo para frente, debruçando-se sobre a mesa. Estendeu a mão que ainda tremia para tocar os dedos dele. Não teve tempo. Caiu inconsciente sobre o tampo, a têmpora contra os guardanapos, a mão a dois centímetros dele.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Agradecimentos. Por mim e por vocês.

Eu odeio escrever.
Odeio música, cinema e qualquer outro tipo de arte.
Odeio livros, discos ou qualquer outro material que contenha qualquer tipo de arte.
Odeio luz do Sol, cafeína e batata frita.
Sorvete de queijo é a pior coisa que já provei.
Vermelho é uma cor cansativa e irritante.
Dançar é ridículo, beber é pra idiotas e adoro exercícios físicos.
Eu nunca gostei de gatos, e tenho alergia aos pelos.
Como amora por capricho, nunca por gosto.
Não preciso de pendrive e não ligo pra computadores.
Detesto futebol e mais ainda chocolate.
Cursei História por ser fácil e comprei meu TCC.
E, se pudesse, passaria todo meu tempo a dormir.

Eu minto, e a partir daqui, tudo é verdade. 
E assassinei meus bonitos personagens.
A partir de agora, eu serei normal. 
Como Bob Esponja. 
Como aquele cara que me olha envergonhado. 
Como aquela menina que não sabe como tenho coragem de trabalhar vestida assim. 
E como todos os outros que não entendem o porquê de minha existência.
Eu não acompanho a revisão gramatical. 
E não me importo com quem não acredita no potencial do ser humano.
E vou dominar o mundo, depois de explodir tudo e queimar o que sobrar apenas com raios de Sol.

Eu sou 4 em 1. Mas ninguém vê mais de 2.
E só preciso de metade pra continuar com meu super disfarce.
Agradeçam a minha mãe por me terem por perto.
E aos meus malfeitores por me verem a sorrir.
Pela genialidade, agradeçam a mim mesma, o mérito é todo meu.
Pelo excesso de modéstia, ironia e cuidado, é culpa de vocês que não me deixam ir embora.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Livros no Quintal - Vitor Ramil

Viu a noite no portão
Cortou os fios de luz
Esvaziou a caixa d'água
Até amanhecer

Amassou o carro
Deu o vinho aos animais
Espalhou a louça
Em mil pedaços no jardim

Pôs os livros no quintal
Rezando pra chover

Arranhou os discos
Descolou a forração
Arrastou cadeiras
Pelo chão do corredor

Recortou nas roupas
Este rosto que ela tem
De olhos bem abertos
Sabedores do que vêem

Pôs os livros no quintal
Rezando pra chover

E choveu

*Emprestando mais uma vez as palavras de um desconhecido, faço destas a minha atual verdade. Angústia, desequilíbrio e racionalidade fingida. A loucura espreita, enquanto não cai a chuva...

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Expansão luminosa

Mais um daqueles deprimentes dias brancos. Com garoa de manhã e tudo. A água da caixa d'água tenta congelar as articulações, mas resiste bravamente. Criança corajosa enfrentando as intempéries e acordando, com direito a gritinhos no banheiro e mais uma trombada com a pia (e por que ela teima em continuar no meio do caminho dos sonolentos?).

Sai do banho, enxuga direitinho entre os dedos, esfrega uma última vez os olhos e vai pra janela. Ainda chove. Tudo cinza e branco até depois dos prédios bem de lá. Não, mentira, tem um passarinho no telhado adiante! Já já a chuva cessa. Quem sabe até uma pontinha de azul aparece...

Vai se atrasar de novo. Veste a roupa com pressa, corre pelas escadas, liga o computador e prepara o café. Mastiga o pão em frente à tela, desliga tudo, agora corre pro telefone. Não pode ir sem desejar bom dia. Agora sim, ao trabalho! Que sorte, uma carona! Bater o ponto sem grandes atrasos parece até milagre!

Entra na sala vazia. Silêncio e bagunça. Liga o computador. Ninguém procurou a gerência, nem mandou e-mail, nem nada. O telefone não toca, o dia continua branco, as pessoas começam a chegar num ruidoso arrastar de sapatos pelo piso... Foge de tudo, corre pro telefone público, gasta os últimos créditos do cartão telefônico só pra saber: "vamos nos ver hoje?". Ninguém sabe. Tantas coisas ainda a resolver, distância, dinheiro, tempo... e mais esse clima de chuva eterna...

Não se abala. Volta pra sala com um sorriso estranho no rosto. Um sorriso inabalável, de quem tem fé inamovível de que o Sol ainda surgirá quase carrasco no meio dessa barreira de nuvens. Aguarda respostas, navega pelos conhecimentos internéticos, ouve as músicas de sempre e tamborila os dedos pelo mouse. Alterna unhas, ponta dos dedos e o anel de formatura. Sonzinho sem ritmo, sem propósito, mas alegre.

Começa a refletir sobre o porquê dessa felicidade abrupta. Deve ter sido algum sonho... Não lembra de sonho nenhum. Em casa, nada de diferente acontece. No trabalho, menos ainda; as colegas de sala continuam em seu silêncio não mais incômodo. Então... é, deve ser isso mesmo. Foram aquelas runas escandinavas que desenhou no meio da testa enquanto se banhava. Sério, isso não engana nem o mais crente dos crentes! Mas e se tiver sido isso mesmo?

A luz voltou. Não a lá de fora. Através da janela, uma luz branca ainda se intimida com a cor do dia. Os pássaros até fazem alguns gracejos, mas a umidade e o quase vento não os deixam voar por muito tempo. A luz interna, essa que voltou incrivelmente radiante. Como se as trevas nunca tivessem existido, como se o vermelho fosse a única cor do mundo, como se todos estivessem absorvidos numa aura de calor e luminosidade. Espalha luz pra todo mundo, mesmo que ninguém saiba de onde vem.

Bons ventos indo em direção ao Sol. Ou o Sol tentando acompanhar os rumos do vento.

O dia continua do mesmo jeito, caminhando, se arrastando lentamente, tão lento quanto o cantar das caixas de som do computador. Mas alguma coisa mudou... Profundas mudanças, destravamentos e expansões. Ainda olha pela janela. Sabe que a qualquer momento o Sol aparece sorrindo entre aquelas malditas nuvens brancas...

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Dorothy também foi ao País dos Espelhos

Meu fazer-se
E teu querer-me
Faces convexas
De um espelho côncavo que,
Muito mais do que Alice,
Reflete os contornos
De um conhecido furacão
Que as cores de meu Sol
Insistem em tentar dissipar.

E por que o vento está sempre em direção contrária ao Sol?
Perguntas físicas de crianças curiosas e desatentas...

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Fato consumado. Goodbye, cruel world.

manhã fria-acinzentada
dor vermelho-pulsa-sangue
carne verde-roxa-fraca


Esse haikai foi originalmente uma comentário à poesia de um escritor que muito admiro. Chama-se "Ezckizophrenia", de Rafael Oliveira, e cada verso do haikai foi escrito para uma das partes do texto inspirador.

Acordei e o dia me dizia ser hoje o mesmo mural enlouquecedor e desolador da minha inspiração. Melancolicamente belo; só quero me atirar à imensidão do dia que precisa terminar logo... Para nosso bem e de nossa querida geração que teima em persistir no intento da vida.

domingo, 10 de maio de 2009

Fim. Sempre a ameaça do fim.

Não quero mais ser
O que te transforma 
Em sorte, anjo e noite.

Não posso continuar
Nesse eterno vir a ser
Que nunca é meu.

Prefiro acordar
Abrir bem a boca e os olhos
Engolir o que me espreita.

Vomitar tudo de volta
Numa escultura de luz
Na antítese do que tanto me dói.

Vou te expelir de mim
Te iluminar, salvar, redescobrir
Dizendo apenas que o não pode ser sim.

Não te quero
Sendo o que não sou
Com esse espelho quebrado e turvo.

Hoje me sobraram os insetos
Os dias que não comemoro
E a vontade de derreter sob o Sol.