quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Das crônicas do meu primeiro inverno - Tentando ser menina

Entrevista de emprego. Quer dizer, não é bem um emprego, mas é algo do tipo, uma "bolsa-tutoria". Não, não vou explicar como funciona, mas pode ser entendido como um emprego mesmo. Hoje, às 14h30. Sala 809. Na própria faculdade que pretendo cursar.
Li e reli o texto que enviei como "carta justificativa" pra me candidatar à vaga. Uma só pra sei lá quantos. Quer dizer, depois eu soube quantos, mas isso não interessa. Como eu dizia, eu li o texto umas doze vezes durante a manhã. Lia, falava com alguém no msn, baixava um CD e lia de novo, depois lavava louça, ia ao banheiro e lia de novo... E foi assim, até umas 12h30 quando li pela última vez. Pra que ler tanto, nem eu sei, já que era um texto meu mesmo. Acho que só precisava estar mais segura das minhas idéias. E também eu estava com aquela imagem cristalizada de perguntas-fórmulas prontas do tipo "por que você quer trabalhar conosco?" ou "como você pode ser útil à nossa empresa?" ou ainda "por que Porto Alegre?".
E então, depois de ter lido as doze vezes, fui procurar o que almoçar (e lembrei que não tinha tomado café, de novo). A irmã chega da aula, finalmente, "não preciso mais almoçar sozinha", penso; coisa que detesto mesmo é comer solitariamente. Esquento o almoço que mamí deixou pronto enquanto a mana faz suco de laranja na cozinha. E aquele barulho infernal do "juicemaker" ecoando na cozinha. E eu gritando pra tentar continuar o meu relato da conversa de ontem com o namô. Os vizinhos devem pensar que nosso apartamento virou algo semelhante a um hospício depois que cheguei, mas não tenho culpo se sempre me descontrolo no tom das gargalhadas ou nos ralhos com a mana justo na cozinha.
Almoço calmamente e termino como previ, às 13h30. Estou no horário. Aí começa a pior parte. Com que roupa eu vou? Tudo bem, sem pânico, escolher calcinha, meia-calça e jeans é bem fácil. Com isso em mãos, parto para o banho. Depois de me enxugar sem muita pretensão de ficar perfeito, vou até a sacada para sentir o clima e escolher a parte de cima da roupa. Não é propriamente frio, mas tem um vento um pouco forte demais pra não usar uma camisa de mangas compridas por debaixo do casaco. Fecho a sacada e visto uma camisa nova. Ridícula eu fico, parece que estou pronta pra dormir, mesmo com a calça jeans. Calço as botas de bico mais fino e salto quadrado, elegantemente pretas e longas. Claro que melhorou, mas nem botas de cristal melhorariam o ar de desleixo daquela blusa. Visto uma blusa azul-feliz-quase-escuro. Agora sim, até a irmã aprova.
Passado o problema da vestimenta, tem o cabelo. Meus deuses, por que o cabelo tá parecendo uma palha de milho ressecada justo hoje? E por que esqueci de tingir? Como vou me apresentar com um cabelo metade castanho-ruivo metade rosa-vermelho-água-de-salsicha? Pensa, pensa... tentar desatrapalhar é o fim, vai virar uma vassoura ou um leão dragqueen. Já sei, um coque bem apanhado, no alto da cabeça, com uma certa elegância até (se não fosse essa minha cara de moleca nerd), com um hashi desenhadinho enfiado no alto. A idéia é ótima, agora quem executa? Seis tentativas, seis! E o tempo passando... Depois da porcaria do coque cair cinco vezes, na sexta ele parece estar mais seguro e poucos fiapos rosa-choque escapam dele. Mas e esses filhotes na frente que parecem uma farofa torrada? Passa creme, anti-frizz e todas essas melecas. Ótimo, o cabelo tava seco, agora ficou tudo branco. Passa a toalha pra tirar o excesso, com cuidado pra não desarmar o coque! E a irmã morrendo de rir na porta do banheiro... Certo, o cabelo ficou no lugar, os filhotes também, mas parece agora que tô cheia de caspa com esses pedaços brancos, vai ser ótimo, uma tutora caspenta! Ah, que se dane, não mexo mais no cabelo, tá lindo e acabou!
Tem que fazer maquiagem. Meu olho direito tá só alergia, com a pálpebra superior vermelha e inchada. Como disfarça isso? Eu, muita afeita a cosméticos e truques de beleza que sou, claro que não sei de nada. Tem uma sombra em creme que às vezes uso quando quero disfarçar aquelas placas roxas... Tá, passo a sombra clarinha e pronto, dá efeito iluminador e nem dá pra ver que tá vermelho. Só que eu passo um quilo de sombra sem perceber e pronto, lambuzo o olho todo e a sobrancelha. Agora me sinto a Rainha Monga treinando pra ser palhaça! Seria melhor usar pasta d'água pra pintar a cara de branco, não? Sério, eu consigo fazer as piores besteiras justo quando o tempo tá se esgotando. Tenta limpar um pouco com papel, mela logo o outro olho de vez, passa um gloss qualquer pra não ressecar os lábios na rua e pronto, já chega disso!
Minha irmã está tendo uma crise histérica de riso no corredor. Pergunto se estou bem o suficiente pra eles não rirem de mim como ela. Ela ri mais um monte, pede desculpa e diz que tá bom depois que coloco o casaco, arrumo a bolsa e guardo delicadamente o cachecol de Jah na bolsa. Ela pára de rir e pergunta "mas vais usar esse cachecol???". E eu "não, só vou levar comigo pra dar sorte, eu não sou louca de combinar azul-feliz-quase-escuro com as cores da bandeira do Rio Grande, né?". Pego a chave e vou pra rua, faltando quinze minutos pro horário marcado.
Piso fora do prédio e aquele vento maravilhoso, que só em Porto Alegre deve existir, com o poder de te fazer mudar repentinamente de humor, me recebe, estragando o cabelo, ressecando os lábios independente do gloss e fazendo arder o nariz (e eu torcendo pra não começar a sangrar de novo). Aperto o passo. As botas apertam os dedos junto, malditos bicos finos! Tudo bem, só são uns quatro quarteirões. E começa a chover! Mas que diabos que tudo acontece nesse dia!!! Respiro fundo, parada no sinal. Podia ser pior, eu poderia estar atrasada...
Chego ao prédio exatamente às 14h30. Espero o elevador até o oitavo andar e procuro a sala, nos corredores errados primeiro, naturalmente. Encontro a sala, finalmente! Pessoas simpáticas. Apresentações de praxe, primeiro os coordenadores, depois os candidatos. Eu sou a primeira, porque sempre tenho essa sorte de ser agraciada como cobaia. Não sei se consegui alguma coisa, mas aproveitei a oportunidade pra divulgar meu blog. Depois veio uma provinha escrita. Escrevo sem parar e sou a última a sair. Aproveito pra conversar com os coordenadores, faço propaganda da minha mamí melhor doutoranda da faculdade e explico o porquê de Porto Alegre. Eles sorriem, amigavelmente de verdade. Não sei se consegui o emprego, mas foi divertido, no mínimo. O suficiente pra virar mais um tema de post.

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