terça-feira, 7 de julho de 2009

Eunice

Eu matei Eunice. Não foi difícil, na verdade, nem um pouco trabalhoso ou doloroso. Amassei o papel (depois de picotá-lo) e joguei no lixo. Simples assim. E daí que ela não era minha? Eu que escrevi sua história, me apropriei de sua existência e moldei-a como bem quis, logo, tinha o direito de dispor ao meu belprazer de sua vidinha insignificante.
A pobre Eunice nasceu de uma historieta minha que alguém contou (mantendo a anonimidade do infeliz autor, que agora descobre o meu assassinato). Parecia um conto fantástico, de início. Para tornar a narrativa mais simples, surgiu Eunice. Para desmitificar minha vida e transformá-la na simplória vida de uma pessoa qualquer. E para me libertar, timidamente, de meu egocentrismo aterrorizador.
Então, na manhã seguinte ao nascimento de Eunice, eu lhe fiz a verdadeira história. Tornei-a mais profunda e encantadora, à sua maneira. Porque Eunice nada tinha de encantadora ou de profundidade. Do alto de seus quarenta anos, era tão suburbanamente média, insossa e sem brilho que ninguém se importaria com sua existência. Mas eu vi seu potencial, seus sonhos esquecidos, suas frustrações e anseios...
No entanto, ao retornar para casa e olhar mais uma vez para Eunice, percebi meu grande erro. Eu fiz dela algo que não poderia nunca ter sido: uma boa personagem. E isso me aborreceu tanto, ter desvirtuado a origem e originalidade da rasa e tola Eunice que não tive outra saída a não ser matá-la. E confesso, não me arrependo. Mas que descanse em paz, Eunice, e continue, onde estiver, a não fazer falta a ninguém.
*A Hélio Granado, o Prometheus de Eunice.

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