quinta-feira, 14 de maio de 2009

Expansão luminosa

Mais um daqueles deprimentes dias brancos. Com garoa de manhã e tudo. A água da caixa d'água tenta congelar as articulações, mas resiste bravamente. Criança corajosa enfrentando as intempéries e acordando, com direito a gritinhos no banheiro e mais uma trombada com a pia (e por que ela teima em continuar no meio do caminho dos sonolentos?).

Sai do banho, enxuga direitinho entre os dedos, esfrega uma última vez os olhos e vai pra janela. Ainda chove. Tudo cinza e branco até depois dos prédios bem de lá. Não, mentira, tem um passarinho no telhado adiante! Já já a chuva cessa. Quem sabe até uma pontinha de azul aparece...

Vai se atrasar de novo. Veste a roupa com pressa, corre pelas escadas, liga o computador e prepara o café. Mastiga o pão em frente à tela, desliga tudo, agora corre pro telefone. Não pode ir sem desejar bom dia. Agora sim, ao trabalho! Que sorte, uma carona! Bater o ponto sem grandes atrasos parece até milagre!

Entra na sala vazia. Silêncio e bagunça. Liga o computador. Ninguém procurou a gerência, nem mandou e-mail, nem nada. O telefone não toca, o dia continua branco, as pessoas começam a chegar num ruidoso arrastar de sapatos pelo piso... Foge de tudo, corre pro telefone público, gasta os últimos créditos do cartão telefônico só pra saber: "vamos nos ver hoje?". Ninguém sabe. Tantas coisas ainda a resolver, distância, dinheiro, tempo... e mais esse clima de chuva eterna...

Não se abala. Volta pra sala com um sorriso estranho no rosto. Um sorriso inabalável, de quem tem fé inamovível de que o Sol ainda surgirá quase carrasco no meio dessa barreira de nuvens. Aguarda respostas, navega pelos conhecimentos internéticos, ouve as músicas de sempre e tamborila os dedos pelo mouse. Alterna unhas, ponta dos dedos e o anel de formatura. Sonzinho sem ritmo, sem propósito, mas alegre.

Começa a refletir sobre o porquê dessa felicidade abrupta. Deve ter sido algum sonho... Não lembra de sonho nenhum. Em casa, nada de diferente acontece. No trabalho, menos ainda; as colegas de sala continuam em seu silêncio não mais incômodo. Então... é, deve ser isso mesmo. Foram aquelas runas escandinavas que desenhou no meio da testa enquanto se banhava. Sério, isso não engana nem o mais crente dos crentes! Mas e se tiver sido isso mesmo?

A luz voltou. Não a lá de fora. Através da janela, uma luz branca ainda se intimida com a cor do dia. Os pássaros até fazem alguns gracejos, mas a umidade e o quase vento não os deixam voar por muito tempo. A luz interna, essa que voltou incrivelmente radiante. Como se as trevas nunca tivessem existido, como se o vermelho fosse a única cor do mundo, como se todos estivessem absorvidos numa aura de calor e luminosidade. Espalha luz pra todo mundo, mesmo que ninguém saiba de onde vem.

Bons ventos indo em direção ao Sol. Ou o Sol tentando acompanhar os rumos do vento.

O dia continua do mesmo jeito, caminhando, se arrastando lentamente, tão lento quanto o cantar das caixas de som do computador. Mas alguma coisa mudou... Profundas mudanças, destravamentos e expansões. Ainda olha pela janela. Sabe que a qualquer momento o Sol aparece sorrindo entre aquelas malditas nuvens brancas...

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