sábado, 6 de novembro de 2010

Pensamentos solitários num fim de tarde, numa mesa de bar*

"De repente, era só uma vontade louca de escrever. Eu avançava no livro, mas não processava a informação. Tudo dançava à minha frente, e eu sei que só pararia de dançar quando libertasse os passos e escrevesse.
Pausa para um gole.
Abri a bolsa e escolhi minha caneta nova, que lembrava as canetas importadas que minha tia-madrinha me dava, com uma ponta 0,4. Essa aqui custou R$ 1,90 em uma lojinha a meia quadra daqui.
Não me imaginaria escrevendo aqui há algumas horas - não sei que horas são, deixei o tempo ir sem mim. Escrevi muito e minha mão doía, como de praxe.
Outro gole.
O gole foi generoso e o garçom me assustou arrancando o cardápio da mesa. Não faz mal, não preciso dele. Continuemos. Marco a data na página: 03.11.10.
Fiz minha terceira prova de mestrado. Fui sem nenhuma esperança. Escrevi firme, mas sem pretensão. Não morro se não passar. Mas passar resolveria meus problemas de grana por 2 anos...
Mas não tenho segurança nenhuma dessa vez, como já tive antes. Na verdade, penso até que não passar será outra libertação. Continuo isso em outro momento.
Entrego a prova e saio da sala. Não procuro ninguém, já que pouco conheço. Mas os conhecidos me cumprimentam, desejam sorte e se oferecem para ajudar "no que for preciso". Sorrio, agradeço e entro no elevador com receio de ser agredida pela porta de novo. Ela fechou no meu braço na entrada para a prova. Olho agora e o lugar ainda está levemente vermelho, mas não dói.
Um gole e pausa para encher o copo.
Saí da prova e rumei para o bar em frente, toda decidida. Escolhi uma mesa e ocupei. Pedi uma cerveja e abri meu livro. Ainda não terminei 'Os Vagabundos Iluminados', do Kerouac. Até li umas 4 ou 5 páginas antes da prova começar. Mas agora, aqui, é diferente.
Sentei, só, eu e meu livro, e uma garrafa de cerveja, absurdamente gelada. Notei o olhar do garçom. Depois, das 2 mesas ao redor e de quem passava. Maldita capital do interior.
O garoto em frente sorria maliciosamente. Ergui o livro de forma a tirar o 'sorriso' de meu campo de visão. O rapaz com ele fumava sem parar e falou algo sobre o título do livro, que não ouvi e ignorei.
Duas mulheres ocuparam uma mesa à esquerda. Falavam sobre homens e, volta e meia, sobre solidão. Achei que se referiam a mim às vezes, mas não quis apurar a audição.
Gole.
Os vagabundo do Darma, a escalada à montanha e tudo o mais foram me absorvendo. O redor já não me incomodava (nem mesmo o barulho infernal dos ônibus) e passei a ignorar os olhares.
Pés na cadeira da frente, outra cerveja e senti-me estudante de novo. Parei o livro, cheia de planos e sensações de otimismo. Quase plenitude.
Pensei em ligar pro namorado e contar o que estava acontecendo. Mas ele podia estar na prova ainda... Pensei em ligar pra minha irmã vir me fazer companhia. Foi quando percebi que, aquela companhia, o livro, a cerveja, o caderno, a caneta e o vento bastavam.
Comecei então a escrever e, agora que já o fiz, hora de voltar ao livro."

* Entre um gole e outro de cerveja, aparentemente solitária numa mesa de boteco na beira da pista, me vieram essas páginas. Talvez seja o começo de algo. Talvez seja só a falta de alguém pra conversar. Talvez não seja absolutamente nada e eu fiquei feliz à toa. Aí me lembro que sempre gostei disso: escrever sem razão, por pura e simples vontade de escrever. Melhor aproveitar o momento então antes que fuja de novo.

Um comentário:

  1. ÀS vezes me esqueço da beleza da simplicidade.
    Às vezes vou remoçando só de olhar pra ela. Porque às vezes só uma caneta basta pra nos encontrarmos com nós mesmas e sorrir ou chorar e nos sentir vivendo, sonhando, superando, evoluindo. E foi contigo que eu aprendi que qualquer momento eh O momento. Que sempre há de ser alguma coisa de valor a emanar de nós por algum motivo desconhecido mas por termos nos assumido LUZ, sempre é por um bom motivo. Sempre.

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